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Nota Discordante

Fernando Namora Nota Discordante Porque razão sorri a Natureza à minha volta? Reparem na discordância... É como um grito de revolta que se solta por aí fora... ... e não encontra obstáculo para o eco... in 'Relevos'
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Humildade

Francisco Bugalho Humildade As águas beijei, As nuvens olhei, Às árvores cantei, Na sua beleza. Os bichos amei, Na sua bruteza, Na sua pureza, De forças sem lei. E porque os amei E os acompanhei, Não me senti rei Na Mãe-Natureza. in "Paisagem"

Mãe

António Correira de Oliveira Mãe Olha, meu filho! quando, à aragem fria De algum torvo crepúsculo, encontrares Uma árvore velhinha, em modo e em ares De abandono e outonal melancolia, Não passes junto dela nesse dia E nessa hora de bênçãos, sem parares; Não vás, sem longamente a contemplares: Vida cansada, trémula e sombria! Já foi nova e floriu entre esplendores: Talvez em derredor, dos seus amores Inda haja filhos que lhe queiram bem... Ama-a, respeita-a, ampara-a na velhice; Sorri-lhe com bondade e com meiguice: — Lembre-te, ao vê-la, a tua própria Mãe! in 'Antologia Poética'

Terra

Francisco Joaquim Bingre Terra Ó Terra, amável mãe da Natureza! Fecunda em produções de imensos entes, Criadora das próvidas sementes Que abastam toda a tua redondeza! Teu amor sem igual, sem par fineza, Teus maternais efeitos providentes Dão vida aos seres todos existentes, Dão brio, dão vigor, dão fortaleza. Tu rasgas do teu corpo as grossas veias E as cristalinas fontes de água pura Tens, para a nossa sede, sempre cheias. Tu, na vida e na morte, com ternura Amas os filhos teus, tu te recreias Em lhes dar, no teu seio, a sepultura. in 'Sonetos'

Velhas Árvores

Olavo Bilac Velhas Árvores Olha estas velhas árvores, mais belas Do que as árvores novas, mais amigas: Tanto mais belas quanto mais antigas, Vencedoras da idade e das procelas... O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas Vivem, livres de fomes e fadigas; E em seus galhos abrigam-se as cantigas E os amores das aves tagarelas. Não choremos, amigo, a mocidade! Envelheçamos rindo! envelheçamos Como as árvores fortes envelhecem: Na glória da alegria e da bondade, Agasalhando os pássaros nos ramos, Dando sombra e consolo aos que padecem! in "Poesias"

Terra - 24

Fernando Namora Terra - 24 António, é preciso partir! o moleiro não fia, a terra é estéril, a arca vazia, o gado minga e se fina! António, é preciso partir! A enxada sem uso, o arado enferruja, o menino quere o pão; a tua casa é fria! É preciso emigrar! O vento anda como doido – levará o azeite; a chuva desaba noite e dia – inundará tudo; e o lar vazio, o gado definhando sem pasto, a morte e o frio por todo o lado, só a morte, a fome e o frio por todo o lado, António! É preciso embarcar! Badalão! Badalão! – o sino já entoa a despedida. Os juros crescem; o dinheiro e o rico não têm coração. E as décimas, António? Ninguém perdoa – que mais para vender? Foi-se o cordão, foram-se os brincos, foi-se tudo! A fome espia o teu lar. Para quê lutar com a secura da terra, com a indiferença do céu, com tudo, com a morte, com a fome, coma a terra, com tudo! Árida, árida a vida! António, é preciso partir! António partiu. E em casa, ficou tudo medonho, desamparad

Fábrica

Joaquim Namorado Fábrica Oh, a poesia de tudo o que é geométrico e perfeito, a beleza nova dos maquinismos, a força secreta das peças sob o contacto liso e frio dos metais, a segura confiança do saber-se que é assim e assim exactamente, sem lugar a enganos, tudo matemático e harmónico, sem nenhum imprevisto, sem nenhuma aventura, como na cabeça do engenheiro. Os operários têm nos músculos, de cor, os movimentos dia a dia repetidos: é como se fossem da sua natureza, longe de toda a vontade e de todo o pensamento; como se os metais fossem carne do corpo e as veias se abrissem àquela vida estranha, dura, implacável das máquinas. Os motores de tantos mil cavalos alinhados e seguros de si, seguros do seu poder; as articulações subtis das bielas, o enlace justo das engrenagens: a fábrica, todo um imenso corpo de movimentos concordantes, dependentes, necessários. De Aviso à Navegação, Arquitectura, incluída no Novo Cancioneiro (1941)